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CULTURA:
O Caminho de Peabiru é uma rota pré-colombiana que atravessava o estado Paranaense e foi determinante na construção do atual território estadual. Ana Paula Colavite e Mirian Vizintim Fernandes Barros utilizando técnicas computacionais e de Geoprocessamento redefinem através de mapas antigos a rota do Caminho de Peabiru, sobre o atual mapa político do Paraná, já que material cartográfico contendo caminhos históricos é restrito.
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O traçado da rota do Caminho Peabiru
no estado do Paraná
Os caminhos e trilhas fazem parte do cotidiano das pessoas desde períodos remotos para realização de atividades básicas do cotidiano como caça, coleta de alimentos e migração. Alguns se tornaram mais conhecidos e apresentaram maior importância na história da civilização, já outros sumiram com a evolução da sociedade.
Independentemente de sua importância, traçados históricos foram apagados ou substituídos por estradas da engenharia moderna e contemporânea. Tais fatores dificultam o estudo e a obtenção do verdadeiro traçado de um caminho antigo, ficando muitas vezes limitados ao uso de mapas antigos, descrições e relatos de viajantes e informações do imaginário da população que teve contato com o caminho.
Índios Puris, ca. 1823-1838, Giulio Ferrario.
Durante a colonização do estado do Paraná diversos caminhos foram utilizados e consequentemente determinantes para a formação do território estadual atualmente conhecido. Entre os caminhos que fizeram parte de sua história, têm-se: o caminho de Viamão, a estrada da Graciosa e o de Peabiru, o qual é descrito por Maack (1959) como sendo a mais importante rota transcontinental da América do Sul, do período pré-colombiano, apresentando aproximadamente três mil quilômetros de extensão, atravessando o continente do oceano Pacífico ao oceano Atlântico. A época de sua construção é desconhecida e existem muitas dúvidas quanto aos seus verdadeiros criadores, índios da nação Guarani, Jê ou até mesmo os Incas.
O caminho apresenta grande variedade de nomes, entre eles Caminho da Montanha do Sol, Caminho de São Tomé, Caminho do Mato, Caminho do Sertão e Caminho Velho, adotados em cada região por onde passou, sendo, portanto, uma nomenclatura específica a cada região (CASEMIRO, 2005b).
Embora não exista a certeza de que foi criado pelos índios guaranis, eles foram um de seus maiores usuários. Na nomenclatura desta tribo a palavra Peabiru é uma derivação de “Tape Aviru” ou “Ta pe a beyuy”, podendo ser traduzido como caminho forrado, caminho antigo de ida e volta, caminho pisado, caminho sem ervas e, apresentava um forte significado, para esta tribo, pois era considerado o caminho para a Terra sem Mal, pelo qual os indígenas caminham em busca do paraíso.
Vestígio do Caminho do Peabiru no bairro Serra Alta em São Bento, Santa Catarina.
Foto: Fabio Krawulski Nunes.
Algumas características o diferenciavam de outros caminhos, ao longo de seu percurso apresentava. aproximadamente 08 (oito) palmos de largura, o equivalente a 1,40 metros (um metro e quarenta centímetros) e 0,40 metros (quarenta centímetros) de profundidade, sendo todo o percurso coberto por uma espécie de gramínea que não permitia que arbustos, ervas daninhas e árvores crescessem em seu curso evitando também a erosão, já que era intensamente utilizado.
Trecho pavimentado de ramal do Caminho Peabiru no Monte Crista em Garuva, Santa Catarina.
Foto: Edésio Ferreira Filho.
Embora este caminho tenha sido utilizado por aventureiros europeus, colonizadores, padres, caçadores de índios, exploradores da riqueza natural do estado do Paraná, dentre outros, pouco material é encontrado sobre o assunto e sua localização exata também é fator impreciso. Apresentava um ramal principal, ramificações secundárias que levavam até o caminho principal, e ainda caminhos e picadas que conduziam ao ramal principal e aos caminhos secundários, interligando inúmeros povoamentos indígenas.
O ramal principal apresentava duas ramificações uma que vinha do litoral de Santa Catarina e outra do litoral de São Paulo, encontrando-se no primeiro planalto Paranaense por onde seguiam, em sentido oeste, passando pelo Mato Grosso do Sul, Paraguai, Bolívia e Peru figura 1.
Figura 01: Esboço do Caminho de Peabiru na América do Sul; Adaptado de BOND & FINCO (2004);
Organizado por Ana Paula Colavite.
O relato atualmente conhecido e mais completo sobre o Caminho de Peabiru foi sintetizado em um manuscrito realizado pelo alemão Ulrich Schmidel, em meados do século XVI, o qual foi minuciosamente estudado por Reinhard Maack na década de 1950.
O alemão Ulrich Schmidel apresenta grande relevância nos estudos relativos ao Caminho de Peabiru figura 2, pois o percorreu de Nossa Senhora de Assunção (atual Assunção, capital do Paraguai) até São Vicente em São Paulo, travessia essa, que segundo o próprio Schmidel (2006), teve duração de aproximadamente seis meses.
Figura 02: Sobre o Itinerário de Ulrich Schmidel com o Caminho de Peabiru em destaque;
Adaptado de Maack (2002); Organizado por Ana Paula Colavite.
Ulrich Schmidel não foi o primeiro europeu a percorrer o caminho de Peabiru, antes dele dois grandes nomes ficaram marcados por esta travessia: Aleixo Garcia e Don Álvar Nunez Cabeza de Vaca, entretanto foi ele quem o descreveu com grande detalhamento.
A travessia só se tornava possível tendo como guias índios guaranis das regiões por onde passavam “... Esse caminho era amplamente conhecido pelos índios, que o indicavam aos viajantes” (MOTA, 2005, p.2). Era formado por uma rede de caminhos e não apenas por um ou dois ramais principais, o que permitia tanto a caminhada em sentido leste/oeste quanto norte/sul. Os indígenas sabiam os locais que forneciam perigo aos viajantes, como o território de tribos pouco amigáveis, e os caminhos para desviá-los.
Dança dos Puris, ca. 1875, Publié par Furne à Paris.
Após a descoberta da América do Sul deu-se início à expansão das fronteiras e ocupação do território brasileiro, sendo que, a área hoje denominada Paraná foi ocupada inicialmente por espanhóis e mais tarde pelos portugueses, fazendo parte da região do Guairá, onde viviam aproximadamente 200.000 índios.
O Estado foi explorado de inúmeras formas, primeiro pelos colonos espanhóis que colhiam erva-mate, utilizando a mão-de-obra escrava de índios, depois foi palco das reduções jesuíticas que, de certa forma, protegiam os índios da crueldade dos colonos, porém os tornavam pacíficos à presença do homem branco. Mais tarde muitos índios foram capturados pelos bandeirantes paulistas e levados até São Paulo para serem vendidos como mercadoria, ou seja, mão-de-obra escrava.
Por volta de 1631, este processo fez com que muitas tribos fossem dizimadas e alguns dos sobreviventes, que ainda moravam nas reduções (aproximadamente 12 mil índios), fugiram com os padres para Rio Grande do Sul e Uruguai, pelos rios Paranapanema e Paraná, fundando os Sete Povos das Missões. Os que ficaram acabaram sendo capturados ou fugiram para Mato Grosso do Sul e Paraguai, formando um vazio no Estado do Paraná até inicio do século XVIII quando índios da nação Jê começaram a reocupar a região (MOTA, 1994).
Cabana dos Puris 1822. ,M. G. Eichler.
A partir da entrada dos Kaingang (pertencentes à nação Jê) no Paraná, muitas tentativas de colonização do estado foram frustradas, já que estes apresentavam maior resistência aos bandeirantes e também aos padres Jesuítas, retardando a colonização do estado Paranaense.
Com a colonização do estado, já no decorrer do século XX, houve um intenso processo de desmatamento, exploração da madeira, da terra e de outros recursos naturais, exigindo para tal a construção de estradas, rodovias, cidades, dentre outros, que acabaram por modificar totalmente o quadro estrutural paranaense e destruindo quase que na totalidade o caminho de Peabiru. Restaram apenas esparsos vestígios, longínquas histórias na memória dos pioneiros e seus descendentes e alguns poucos e valiosos mapas e escritos de antigos pesquisadores e aventureiros como o de Ulrich Schmidel.
Na atualidade existem poucos vestígios da existência deste caminho, muitas informações são originárias de relatos de antigos habitantes das redondezas, e, seu traçado contado aos seus filhos e netos. Por sua importância histórica e cultural, muitos caminhos podem ser tombados e preservados para a população atual e futura, e acabam sendo utilizados como rotas turísticas.
Nos casos em que o traçado original de um caminho foi “apagado” existe a necessidade de redesenhá-los cartograficamente antes de qualquer proposta de utilização. Este estudo propõe uma metodologia de traçado de rotas a partir de mapas antigos, de documentos e de coleta de relatos de moradores, adequando-os a atual malha viária do Estado, utilizando os Sistemas de Informações Geográficas (SIG’s) e outras ferramentas computacionais e tecnológicas.
O traçado das rotas de peregrinação tem objetivo de promover o turismo rural com base local, resgate histórico e cultural da região, bem como seu desenvolvimento econômico e social.
O Caminho de Peabiru no Paraná e na Comunidade dos Municípios da Região de Campo Morão ( COMCAM)
O primeiro resultado obtido foi o traçado do caminho de Peabiru sobre o mapa político do estado do Paraná, figura 03 onde a linha mais espessa representa, o que segundo Maack (1959) seria o ramal principal do caminho de Peabiru e as linhas de espessura mais fina representam os ramais secundários do caminho de Peabiru.
Figura 03: Mapa Político do Paraná com o Caminho de Peabiru; Adaptado de DNIT (2002) e Maack (2002);
Organizado por Ana Paula Colavite.
A rota principal deste caminho atravessa o Estado do Paraná no sentido leste oeste, vindo de São Paulo, passando nos municípios de: Adrianópolis, Tunas do Paraná, Cerro Azul, Doutor Ulisses, Castro, Tibagi, Reserva, Candido Abreu, Pitanga, Nova Tebas, Mato Rico, Roncador, Nova Cantu, Altamira do Paraná, Guaraniaçu, Campo Bonito, Braganey, Iguatu, Corbélia, Anahy, Aurora, Iracema do Oeste, Jesuítas, Assis Chateaubriand, Palotina e Terra Roxa, chegando às margens do rio Paraná.
Além da rota principal, o caminho contava com rotas secundárias que atravessavam o estado no sentido norte sul. Uma das rotas secundárias vinha de São Paulo adentrando o Paraná, passando pelos municípios de: Salto do Itararé, Siqueira Campos, Venceslau Braz, Arapoti, Jaguariaiva, Piraí do Sul, Castro, Carambeí, Ponta Grossa, Palmeiras, Porto Amazonas, Balsa Nova, Campo Largo, Araucária, Curitiba, São José dos Pinhais, Morretes, Paranaguá, chegando ao oceano Atlântico. Próximo ao município de Castro, o ramal secundário atravessava o ramal principal.
Em Curitiba, outro ramal seguia sentido nordeste, passando por Colombo, Bocaiúva do Sul, Campina Grande do Sul, onde se dividia, um ramal seguia para São Paulo e outro para o litoral, passando por Antonina chegando ao oceano Atlântico.
Em Araucária um ramal secundário segue sentido Santa Catarina, passando pelos municípios de Contenda, Mandirituba, Tijucas do Sul e Agudos do Sul, adentrando o estado de Santa Catarina.
Outro ramal secundário tem início em São Paulo e atravessa o estado do Paraná passando pelos municípios de Jardim Olinda, Paranapoema, Paranacity, Cruzeiro do Sul, Uniflor, Atalaia, Mandaguaçu, Maringá, Floresta, Itambé, Engenheiro Beltrão, Peabiru, Campo Mourão, Mamborê, Juranda, Boa Esperança, Rancho Alegre do Oeste, IV Centenário, Formosa do Oeste, Jesuítas, Assis Chateaubriand, Tupãssi, Toledo, Ouro Verde, São Pedro do Iguaçu, Vera Cruz do Oeste, Diamante do Oeste, Ramilândia, Matelândia, Medianeira, Jardinópolis, Capanema, Planalto, Pérola do Oeste, Pranchita, Santo Antonio do Sudoeste,
Bom Jesus do Sul, Barracão e Flor da Serra do Sul, de onde segue sentido Santa Catarina. Esta rota secundária atravessa o ramal principal no município de Jesuítas.
No município de Braganey, iniciava um outro ramal secundário e seguia sentido sul passando pelos municípios de Cascavel, Boa Vista da Aparecida, Capitão Leônidas Marques, Realeza, Santa Isabel do Oeste, Ampére e Francisco Beltrão onde termina.
Esta distribuição espacial do caminho permitia o deslocamento dos índios e dos primeiros desbravadores para vários pontos desta extensa área.
Muito embora o trabalho cartográfico tenha sido realizado de forma bastante criteriosa, é possível que haja erros de localização, devido à diferença na escala dos dois mapas utilizados e principalmente a escala reduzida do mapa de Maack. A falta de um sistema de projeção para este mapa também dificulta a localização exata dos ramais.
Estas falhas poderão ser avaliadas e corrigidas, conforme ocorram novas descobertas de vestígios do caminho, através de estudos arqueológicos, documentos do período de colonização do estado do Paraná e relatos de antigos moradores.
O Caminho de Peabiru na área da COMCAM era composto por parte do ramal principal e parte de um dos ramais secundários. O ramal principal atravessava os municípios de Roncador, Nova Cantu e Altamira do Paraná. O secundário passava por Maringá, Engenheiro Beltrão, Peabiru, Campo Mourão, Mamborê, Juranda, Boa Esperança, Rancho Alegre do Oeste e IV Centenário, de onde seguia por Formosa do Oeste figura 04.
Figura 04: Caminho de Peabiru na área da COMCAM; Adaptado de DNIT (2002) e Maack (2002);
Organizado por Ana Paula Colavite.
Referencias Bibliográficas:
BOND, R.; FINCO, H. “O que é o Caminho de Peabiru”. In: Cadernos da Ilha. n.3, p. 06-07, maio de 2004.
CASEMIRO, S.P. Pequeno vocabulário comentado de usos lingüísticos no Projeto “Caminho de Peabiru na COMCAM – Comunidade dos Municípios de Campo Mourão – PR”. Edição do Autor. Campo Mourão, 2005a.
CASEMIRO, S.P.. “Uma Ilustração sobre as Pesquisas do NECAPECAM a Respeito do Caminho de Peabiru na Micro-Região 12 do Paraná”. In: Compêndio sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM Micro-Região 12 do Paraná. p. 61-68. Vol.2, SISGRAF, Campo Mourão-PR, 2005b.
COLAVITE, A.P. Contribuição do Geoprocessamento para Criação de Roteiros Turísticos nos Caminhos de Peabiru – Pr. 139f. Dissertação (Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina. 2006.
MAACK, R. Sobre o Itinerário de Ulrich Schmidel Através do Sul do Brasil (1552 – 1553). Curitiba - PR, 1959.
MARTONI, R.M. Caminhos Redescobertos: o potencial turístico das rotas do sul. Dissertação (Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2005.
MOTA, L.T. A História Épica dos Índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Editora da UEM, Maringá – PR, 1994.
SCHMIDL, U. Derrotero y Viaje al Rio de la Plata y Paraguay. Edición dirigida y prologada por Roberto Quevedo. BIBLIOTECA
PARAGUAYA, Ediciones NAPA, Asunción, Paraguay, 1983. Arquivo Digital disponível na Biblioteca Virtual de Cervantes no site: http://www.cervantesvirtual.com, acessada em abril de 2006.
Fonte: o artigo completo, GEOPROCESSAMENTO APLICADO A ESTUDOS DO CAMINHO DE PEABIRU, encontra-se na Revista da ANPEGE, v. 5, p. 86 - 105, 2009.
Autores: Ana Paula Colavite, Professora Assistente do Departamento de Geografia da FECILCAM – Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão e Mirian Vizintim Fernandes Barros, Professora associada da Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geociências, Geografia Física.
Leia também: Peabiru: caminhos ancestrais e Caminho Peabiru
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