As três gerações
do Cristianismo primitivo
As três gerações cristãs primitivas, referem-se às primeiras comunidades desde sua origem após a paixão, morte e ressureição de Jesus até a redação do último escrito do Segundo Testamento, em torno do ano 140. Todo esse tempo pode ser dividido em três etapas.
A primeira é conhecida como época apostólica. É a primeira geração de seguidoras e seguidores de Jesus de Nazaré. São aqueles que conheceram Jesus ou que aderiram a ele ainda nos primeiros anos do movimento cristão. A época apostólica vai desde o ano 30 até em torno de 67, quando provavelmente os primeiros seguidores de Jesus já haviam morrido ou haviam sido mortos.
Esse período apostólico(entre 30 e 67) pode ser dividido em dois momentos claramente distintos. O primeiro é anterior à assembleia de Jerusalém em 49, também conhecida por concílio de Jerusalém. Tal como do tempo de Jesus, não temos nenhum escrito bíblico desse período. O que sabemos, além das informações do historiador judeu Flávio Josefo, vem de escritos posteriores.
O lavatório – Tintoretto
O segundo momento da época apostólica vai desde o concílio de Jerusalém até em torno de 67. É o tempo áureo da missão de Paulo e sua equipe pastoral.
O segundo período das comunidades primitivas é a chamada época subapostólica. É o tempo da segunda geração de cristãos. Esse tempo corresponde aos anos que vão desde, mais ou menos, 67 até por volta de 97, quando então inicia o período pós-apostólico, isto é, a terceira geração de comunidades cristãs.
A primeira geração de cristãos pertencentes às comunidades que mais tarde deram origem ao Evangelho de Mateus certamente viveram inicialmente na Judéia. Entre os apóstolos, Pedro é seu grande protagonista.
Anthonis van Dyck - Die Ausgießung des Heiligen Geistes
Entre os evangelhos, é Mateus quem mais importância dá à figura de Pedro (Mt 16:17-19). Ao copiar de Marcos a profissão de fé de Pedro (Mc 8:27-30), Mateus acrescentou os versículos 17-19. De fato, Mateus é o Evangelho das comunidades de herança dos apóstolos e familiares de Jesus.
Chamados de comunidades de Tiago aquelas que foram fundadas pelos apóstolos como Pedro, ou que atribuem sua origem a eles. Um dos líderes importantes dessas igrejas foi Tiago, irmão de Jesus (Gl 1:18-19; 2:9; At 15:6-21). Quando ele foi martirizado em 62, seu irmão Judas o substituiu na direção das igrejas de Jerusalém.
Diferentemente das comunidades de herança paulina, eram igrejas em que as pessoas vindas do Judaísmo eram a grande maioria. A tradição judaica ainda ocupava um lugar central. Estavam ainda muito ligadas à observância da Lei.
Podemos classificar como herança das igrejas dos apóstolos e de Tiago o Evangelho segundo Mateus, a Carta de Tiago e a Carta de Judas. Tanto Tiago como Judas além de familiares de Jesus(Mc 6:3) dirigiam as comunidades de Jerusalém.
O Evangelho Segundo Mateus
Cada evangelho teve sua redação a partir da compreensão sobre a pessoa de Jesus de quem o escreveu. Mateus vê Jesus como Emanuel, o Deus-conosco no mundo e na história para nos ensinar o caminho da justiça. É, junto com o mestre da justiça, que podemos construir um mundo melhor.
Data, local e destinatários
O Evangelho de Mateus foi escrito no final dos anos 80 d.C. Certamente, as comunidades que o editaram viviam na Palestina, talvez na Galileia, numa região em que predominavam igrejas formadas por pessoas de origem judaica.
Com a guerra judaico romana, muitos membros dessas comunidades da Judéia mudaram-se para a direção da Galileia, Síria ou outros lugares. Essa imigração se intensificou com a perseguição sofrida por parte de lideranças das sinagogas nos anos 80 e 90. Nessa época, os judeus-cristãos foram expulsos das sinagogas pelos rabinos fariseus que passaram a liderar o Judaísmo a partir de 70. Muitos cristãos da Judéia devem ter se estabelecido na Galileia e na Síria.
Observa-se também no Evangelho de Mateus, além do conflito com a sinagoga, tensão com cristãos vindo de outras culturas. Como no caso das comunidades paulinas que defendiam uma nova justiça divina, dada gratuitamente por Deus a quem crê em Jesus.
Confira ainda algumas das seguintes citações e perceba como as comunidades destinatárias de Mateus são formadas por pessoas sem terra (5:1-5), desempregadas(20:1-16), migrantes(2:13-23; 4:13-16 , 24-25; 19:1), perseguidas(5:10-12; 23:13-32) e pobres(11:25-26; 6:25-34; 15:32; 25:31-46).
Autores e fontes
Seus autores devem ser escribas judeus-cristãos, convertidos ao cristianismo (Mt3:52). Em meados do segundo século, os pais da Igreja homenagearam Mateus(Mt 9:9; 10:3), atribuindo a ele este evangelho. Ao agirem desta forma, queriam colocar a obra sob a autoria de um discípulo de Jesus.
Os autores deste Evangelho, isto é, a escola dos rabinos cristãos, naturalmente eram profundos conhecedores das Escrituras judaicas. O texto que usaram para fazer transcrições para seu escrito é da versão grega das Escrituras, a Septuaginta. Além do Evangelho de Lucas e Marcos, como texto-base. Bem como a fonte “Q”, inserindo 230 versículos desta obra.
Fonte “Q”
Na pesquisa bíblica, existe uma hipótese de que houve na Galiléia uma corrente cristã que apresentava Jesus como um Messias sábio e mestre. Essa tendência valorizava seus ditos, suas palavras e seu ensino. Não davam tanto valor à sua paixão, morte e ressureição. Seria um movimento ligado a círculos sapienciais que, apesar de seu radicalismo em seguir de perto o mestre, apresentam um Jesus que não incomoda as instituições opressivas da época.
Segundo a hopótese, e há evidencias literárias para isso, essa corrente cristã teria produzido o documento “Q”. É assim chamado, porque esta é a primeira letra da palavra alemã Quelle (fonte).
Até hoje, pelo menos, nada a respeito foi encontrado. Se existiu, está perdido. Essa fonte seria o segundo documento usado por Mateus e Lucas ao escreverem nos anos 80 d.C. O primeiro foi o Evangelho de Marcos cujo material já era conhecido há uns 15 anos antes. O conteúdo da fonte “Q” seriam os textos comuns a Mateus e Lucas, porém ausentes em Marcos.
Comentário final
Convém destacar, que um dos objetivos de Mateus é deixar claro que o Evangelho é para todos os povos na medida em que o centro dessa universalidade seja o Judaísmo. Os demais povos devem “vir do oriente e do ocidente e se assentar à mesa do Reino dos Céus com Abraão, Isaac e Jacó” (Mt 8:11).
As igrejas mateanas estão abertas as pessoas de outras culturas, apresentando Jesus como Emanuel - “Deus conosco” (Mt1:23).
Fonte:
1. BOCCACCINI, Gagriele. Além da hipótese essênica: a separação dos caminhos entre Qumran e o judaísmo enóquico. São Paulus, 2010.
2. STORNIOLO, Ivo. Como ler o Evangelho de Mateus. São Paulo: Paulus. (Série “Como ler a Bíblia”).
3. GASS, Ildo Bohn. As comunidades da segunda geração cristã. São Leopoldo: CBEI (Curso Bíblico por Correspondência: Módulo 12).
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