sexta-feira, 10 de abril de 2015

O QUE É DE CÉSAR A CESAR... O QUE É MESMO DE CÉSAR? Mateus 22: 15-22

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O que é de César a César...
O que é mesmo de César?  

Mateus  22: 15-22

 

  Um plano bem armado: fazer Jesus cair na armadilha de suas próprias palavras! A cilada é introduzida por um elogio que é, ao mesmo tempo, reconhecimento de integridade: "Mestre, sabemos que és verdadeiro, que ensinas o caminho de Deus... que não consideras as pessoas pela aparência..." (v. 16). Depois do elogio, a pergunta: "É lícito ou não pagar o imposto a César?"

Em caso de resposta afirmativa, toda a pregação de Jesus cairia por terra diante do povo. A ocupação romana era o que havia de mais explorador, a transferência de impostos para Roma era elemento provocador de miséria e fome. Além disso, do ponto de vista religioso, pagar o imposto significava aceitar o culto ao imperador. Na própria moeda, podia-se ler: Tibério César, Filho do Divino Augusto. Por isso, os fariseus e a maioria do povo se opunham ao pagamento.

 

Por outro lado, se Jesus responde que não se deve pagar o tributo, é apanhado em atitude aberta de afronta ao império. Os próprios herodianos, favoráveis ao pagamento do tributo e a serviço dos romanos, ali estavam para o flagrante.

A resposta de Jesus desmascara qualquer religião fetichista e legitimadora do sistema, seja a divulgada pela propaganda imperialista, seja a alimentada pelas autoridades judaicas (no texto, representadas pelos fariseus). É possível que Jesus tenha tocado no coração do sistema religioso romano: o lucro proveniente da cobrança do tributo imposta às províncias conquistadas por Roma. Ao questionar o caráter divino do imperador, todo culto a ele prestado (leia-se: submissão, oferenda e pagamento do tributo) está deslegitimado.

Mas também está desautorizada e ridicularizada a prática de boa parte das lideranças judaicas, que mantinham duplo comportamento. Desejavam a expulsão dos dominadores, ao mesmo tempo em que reproduziam a dominação ou usufruíam das benesses propiciadas pela ocupação, incluindo o sistema de cobrança do tributo: ainda que a maior parte dos impostos fosse repassada a Roma, as elites alimentavam seu luxo com o que retinham do montante arrecadado pelos malvistos cobradores de impostos. Se, por um lado, as autoridades judaicas negavam-se a oferecer incenso ao divino César, por outro, eram beneficiadas com tal divinização.  

 

Pagar ou devolver?

O texto de Mateus, seguindo a versão de Marcos (Mc 12,13), coloca juntos fariseus e herodianos. A narrativa de Lucas opta por classificá-los: "espiões que se fingiam de justos" (cf Lc 20,20). O interessante é que enquanto os falsos justos perguntam se é lícito ou não "pagar" (em grego, é o verbodídomi) o tributo a César, Jesus responde com outra concepção de justiça: usa o mesmo verbo, mas acrescentando um prefixo (apo) que dá uma ênfase diferente: não se trata de pagar, mas de devolver, como pode ser traduzido o termo apodídomi.

Se na moeda está a imagem (literalmente a epígrafe) do seu proprietário, o dinheiro pertence ao opressor romano e é preciso devolver a ele. Como gosta de afirmar Gustavo Gutierrez, "se na pergunta dos fariseus está implícita a possibilidade de não pagar o tributo, também está a de ficar, nesse caso, com o dinheiro". Jesus supera o pretenso nacionalismo dos fariseus, vai à raiz: "é preciso erradicar toda dependência do dinheiro. Não basta romper com o domínio político estrangeiro, é necessário romper a opressão que nasce do apego ao dinheiro e de suas possibilidades de exploração dos demais" (O Deus da vida. São Paulo: Loyola, 1990. p. 87-88).

Fazendo uso do imperativo, a comunidade de Mateus mantém enfática a resposta de Jesus: devolvam ao imperador o que lhe é devido; e, da mesma forma, a Deus o que é de Deus! No Sermão da Montanha, a comunidade já havia lembrado: Não se pode servir a dois senhores, não há como servir a Deus e ao dinheiro (Mateus 6,24). O culto a Deus não se coaduna com o culto a Mamon, aqui representado pelo sistema do império romano.   

 

Mas o que é mesmo de César? E o que é de Deus?

Neste "a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" ainda cabe a pergunta: o que mais é de César e o que é de Deus?

Em terra ocupada, toda a população sabia que além do denário, também era de César o procurador da Judéia, nomeado pelo próprio imperador. Eram de César os exércitos invasores. "A César o que é de César" inclui, portanto, todo o anseio de libertação.

O clássico texto de Marcos 5,1-20 já tinha descrito, através da imagem dos porcos lançando-se ao mar, o mesmo desejo: a legião (termo militar para designar uma corporação de soldados) volta pelo caminho de onde veio, o mar (pelo Mediterrâneo chegavam os exércitos de Cesar). Da mesma forma que no Êxodo o mar havia engolido os cavalos do faraó e a opressão do Egito foi vencida, a comunidade espera que os porcos do império sejam devolvidos ao mar. É o que pode também ser lido no "Devolvam a César o que é de César".

Em contrapartida, o que mesmo é de Deus? Conforme Levítico 25,23, a terra pertence a Deus, o povo é nela hóspede. Logo, não pode a terra ser tomada por outra divindade, o império romano. O povo, em última instância, é o "povo de Deus", com ele Deus fez aliança (Josué 24). A liberdade do povo é dom de Deus!

 

Cumprir a sugestão de Jesus pode nos trazer riscos

Há que se repetir que o processo de divinização de Jesus feito pelas comunidades é implícita (ou até mesmo explícita) oposição à divinização do imperador. Isso nos permite afirmar que o movimento de Jesus, ou pelo menos a leitura que dele se fez na segunda metade do primeiro século, traz em si forte reação antiimperialista. E se reconhecemos que a teologia imperial romana era, de fato, o centro ideológico do poder imperial, seu coração teológico, devemos admitir também que a comunidade cristã entendeu que proclamar Jesus Cristo como filho de Deus significava deliberadamente negar a César o seu mais alto título.

Consequências viriam... Não por menos, tantas lideranças tiveram a mesma sorte de Jesus, A essa altura, só restaria mesmo a um camponês de periferia, já considerado blasfemo pelas autoridades religiosas de seu povo (Marcos 14,60-64), ser condenado como malfeitor (Lucas 23,33-34). Como o próprio Jesus, as comunidades experimentariam que não é simples "devolver a César o que é de César". O império não costuma aceitar.

Fonte: Edmilson Schinelo

 

Nota: Este blog tem publicado, além de artigos de Ciência Cristã, escritos de pessoas situadas em diferentes religiões, que ao desafiarem sua inteligência, sem medo de ousar, procuram buscar a verdadeira essência dos ensinamentos dos textos da Bíblia. Apontando com suas produções, de algum modo, para alguns aspectos ou características da teologia da Ciência Cristã.

Desta maneira, mantendo diálogo inter-religioso, participamos da elevação do pensamento do leitor a consciência de princípios universais, básicos para o cristianismo, importantes para o progresso da humanidade.

 

"A familiaridade com os textos originais e a disposição de abandonar as crenças humanas (estabelecidas por hierarquias e instigadas às vezes pelas piores paixões dos homens), abrem o caminho para que a Ciência Cristã seja compreendida, e fazem da Bíblia o mapa náutico da vida, no qual estão assinaladas as boias e as correntezas curativas da Verdade."  Mary Baker Eddy

 

ATENÇÃO:   O que é de César a César... O que é mesmo de César?  não representa necessariamente o pensamento do Movimento da Ciência Cristã (A Igreja Mãe em Boston ou qualquer de suas filiais, sociedades ou grupos informais de estudos, existentes em diferentes países do mundo), foi publicado para refletirmos sobre a importância do estudo da Bíblia no contexto histórico, nas dimensões política, social, cultural e econômica em que seus relatos foram escritos. Conforme recentes descobertas sobre fatos nela registrados e a opinião de estudiosos do texto bíblico, como objetivo de alcançarmos o significado espiritual das Escrituras.

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