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Feliz Ano Novo!
O futuro da humanidade
Lagoa da Conceição, Florianópolis, SC – Brasil
A tragédia é que sofremos da ausência de instituições planetárias dotadas de poder de decisão. O fracasso da Rio+20 criou uma desilusão enorme. É por isso que não progredimos no desenvolvimento da noção de um destino comum para a comunidade terrestre.
Edgar Morin
[…] Um mundo em transformação requer um projeto de transformação e uma rede de sustentação social e política desse projeto. E nós sabemos que o novo não nasce do nada, nasce da mudanças qualitativas, de saltos às vezes imprevisíveis que apontam um sentido comum, mas que partem da realidade atual.
Isso também coloca a questão de um programa de transição. Mas, mais do que tudo, coloca a questão de quem serão esses novos atores que vão operar essas mudanças.
Em primeiro lugar, é preciso definir o que é probabilidade. Para um observador situado em um lugar e em um tempo dados, o conhecimento do processo histórico no qual se encontra é o que lhe permite projetar o futuro. Se hoje projetamos o futuro, o que vemos? Vemos a proliferação dos artefatos nucleares, a degradação da biosfera, uma economia cada vez mais em crise, o crescimento da desigualdade, toda uma série de desastres.
Há também alguns processos positivos, mas eles permanecem invisíveis ou não pontuais. O improvável já ocorreu na história da humanidade. O provável não é definido, permanece incerto. Nós podemos observá-lo em diferentes épocas da história.
Eu vi em 1941, quando havia uma grande probabilidade de dominação nazista por toda a Europa. Os Soviéticos, com a defesa de Moscou, e os japoneses, bombardeando Pearl Harbor, o que forçou a entrada dos Estados Unidos na guerra, fizeram as probabilidades mudar. Isso para dizer que, quanto as probabilidades negativas, eu não fico desesperado, eu me ponho em defesa de um programa.
Não acredito que se deva pensar em um projeto de sociedade; é necessário, sim indicar um caminho. É essa a dificuldade. Quanto ao programa de transição, que conheci através de Trotsky, bem, não acredito em programas, mas em estratégias. É que um programa já está determinado antes mesmo da caminhada, e o caminho é uma corrente que vai no sentido favorável. Vamos avaliar a situação: será que podemos mudar o caminho? Aparentemente não.
Alto Caparaó, Minas Gerais, Brasil
Vamos avaliar a situação: será que podemos mudar o caminho?
Ao longo da história podemos identificar que ocorreram mudanças de caminho a partir de acontecimentos isolados, menores, invisíveis, como as mensagens de Buda, de Jesus, de Maomé, ou mesmo do socialismo, que no século XIX tinha Marx, tinha Proudhon, que difundiam ideias que dezenas de anos depois se transformaram em forças muito importantes, gerando tanto a social-democracia como o comunismo.
Portanto, sempre houve um inicio modesto das novas forças. Podemos recorrer à velha noção de história, que caminha também por canais subterrâneos, que sempre está em movimento, que o presente não está imóvel e que nele atuam forças de transformações invisíveis.
De resto, quando você pensa na descoberta da energia atômica, percebe que foi uma descoberta totalmente invisível, uma descoberta especulativa, intelectual, do exercício de pesquisa de alguns físicos. E dez anos depois essa energia se transforma em bombas de destruição. Portanto, existem muitas coisas que estão invisíveis, o futuro não é previsível, é preciso resistir e construir o improvável.
[…] O que é preciso reformar? As estruturas sociais e econômicas? Ou as pessoas e a moral? Eu digo que esses processos têm de vir juntos. Porque, se você reforma somente as estruturas, você chega a situação da União Soviética. Mas, se você propõe caminhos individuais ou comunitários, eles fracassam depois de alguns anos. Operando nos dois planos, essa corrente flui para criar o novo.
O grande problema é a metamorfose – prefiro a palavra metamorfose à palavra revolução –, pois penso que em um momento dado, quando o sistema não é capaz de tratar suas questões vitais, ou ele se desintegra, ou regride e se torna ainda mais bárbaro, ou é capaz de criar um metassistema, que recicla seu projeto. A metamorfose existe não somente nos insetos, que se transformam em borboletas, mas também na história.
A Europa se metamorfoseou na Europa medieval, feudal, religiosa, para a Europa moderna, contemporânea. A metamorfose é possível e torna possível criarmos um novo modo de desenvolvimento e um novo tipo de sociedade que não podemos prever, mas que ultrapassa as expectativas dos indivíduos e da sociedade atual. Penso que é isso que podemos esperar, mesmo que hoje não sejamos capazes de descrever ou imaginar essa futura sociedade.
[…] Penso que há duas ameaças que atemorizam o mundo: uma delas é o capitalismo financeiro, a dominação financeira; a outra é o fanatismo étnico-religioso. Eles se alimentam uns dos outros. A questão das transnacionais está colocada e isso só pode ser tratado na escala planetária.
A tragédia é que sofremos da ausência de instituições planetárias dotadas de poder de decisão. O fracasso da Rio+20 criou uma desilusão enorme. É por isso que não progredimos no desenvolvimento da noção de um destino comum para a comunidade terrestre.
Mesmo considerando a ideia de solidariedade internacional que existia, sendo ela socialista, comunista ou libertária, essas ideias não progrediram para enfrentar a situação atual. Agora, quais as forças sociais que podem agir? Não podemos pensar que seja a classe operária, industrial. Em minha opinião, é a boa vontade dos homens , das mulheres, dos jovens e dos velhos, que vão confluir nessa tomada de consciência.
Estrelas de Ricardo Weigand
E, bem entendido, esse é o destino dos povos que são dominados, oprimidos, e que querem conquistar sua emancipação. E que vão contribuir para o processo de emancipação.
[…] Minha recomendação é que, aí onde você está, lute pelas mutações, quer elas tenham dimensão global ou local. O desenvolvimento local favorece a melhoria global e a melhoria global favorece o desenvolvimento local. É esse o desafio atual: tomar consciência do que hoje são os problemas e se engajar para enfrentá-los. É isso que eu quero para a juventude.
Edgar Morin, pseudônimo de Edgar Nahoum, nasceu em Paris, em 8 de julho de 1921, fez seus estudos universitários em História, Sociologia, Economia e Filosofia. Licenciou-se em História, Geografia e Direito. É diretor de pesquisa emérito do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês). Em 1991, tornou-se codiretor do Centro de Estudos Transdisciplinares de Sociologia, Antropologia e História (Cetsah) – tutelado pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais e pelo CNRS –, que em 2008 passou a se chamar Centro Edgar Morin. Doutor honoris causa por mais de trinta universidades e premiado internacionalmente.
Estrelas de Ricardo Weigand
“A metamorfose é possível e torna possível criarmos um novo modo de desenvolvimento e um novo tipo de sociedade que não podemos prever, mas que ultrapassa as expectativas dos indivíduos e da sociedade atual.” Edgar Morin
Fonte: respostas de Edgar Morin a perguntas feitas por Silvio Caccia Bava diretor do “Le Monde Diplomatique Brasil”, entrevista publicada na edição nº 65/Ano 6.
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