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RADICALMENTE LIVRE
Albert Nolan
Para Gabrielle Boccaccini - Departamento de Estudos do Oriente Próximo da Universidade de Michigan, E.U.A., os estudos bíblicos se constituem numa vibrante área de pesquisa que publica de forma intensa. Isso deve-se ao fascínio que os textos antigos exercem sobre os leitores contemporâneos, seja como texto de saber histórico, seja como texto que sempre se mostra aos leitores de forma renovada.
Por isso, a Bíblia é estudada numa riqueza de perspectivas, abordagens, métodos e hermenêuticas. Ao interesse pelo texto bíblico soma-se a busca por sua origem, da mesma forma que pelos textos que lhe são vizinhos: os apócrifos, pseudepígrafos, os Manuscritos do Mar Morto.
Radical significa chegar às raízes. A liberdade que Jesus experimentava chegava à próprias raízes do ser. Era a liberdade pela qual ele desafiava os seus discípulos a lutar, e é a liberdade que nos desafia hoje, nesta época em que nos encontramos à beira do caos.
Jesus era assombrosamente livre. Ele era capaz de contradizer declaradamente as ideias, costumes e normas culturais da sociedade em que vivia. Jesus interpretava as leis , sobretudo as que se referiam ao sábado, com toda a liberdade, e era suficientemente ousado para suplantar todas as tradições sagradas acerca do puro e do impuro. No âmbito dessa sociedade e sua religião, Jesus não tinha autoridade alguma para fazer isso. O que ele tinha era a liberdade pessoal de fazer a vontade de Deus sem preocupar-se com aquilo que as outras pessoas pensavam ou diziam.
Baia da Babitonga, São Francisco do Sul, SC, Brasil.
Ele tinha a liberdade de amar sem reservas, de amar também o mais pobre dos pobres como o jovem rico. Os piedosos ficavam escandalizados com o amor e a solicitude que ele demonstrava com as prostitutas. Os pobres deviam ficar estupefatos com a cordialidade com que ele tratava os odiados cobradores de impostos, que exploravam o povo. O fato de essas pessoas o chamarem de beberão e comilão não o impedia de comer e beber os alimentos e bebidas impuras dos pobres. De fato, até parece que ele se divertia com tais acusações (Mt 11:16-19).
A liberdade radical de Jesus tornava-o completamente destemido. Para expulsar os comerciantes e os cambistas do pátio do templo no auge das festas, quando as autoridades estavam em alerta máximo devido à possibilidade de ocorrência de motins ou rebeliões, Jesus teve certamente de ter uma coragem extraordinária.
Jesus não tinha medo de ninguém. Quando o sumo sacerdote o interrogou acerca das acusações que lhe faziam, Jesus ficou calado (Mc:14:61). Tampouco mostrou medo de Pôncio Pilatos, o implacável procurador romano. Jesus tinha a liberdade de morrer, de desistir da sua vida pelo Reino. Ele não estava apegado a nada nem a ninguém, nem sequer à sua própria vida ou ao êxito de sua missão. A sua liberdade não tinha limites, porque a sua confiança em Deus também era ilimitada.
A nossa liberdade
O resultado imediato de tentar viver a espiritualidade de Jesus hoje é a liberdade. Nós aprendemos gradualmente a desprendermo-nos, a libertar-nos daquilo a que estamos apegados, a abandonar as nossas “muletas”, a ignorar a nossa necessidade de êxito e a libertar-nos das preocupações com a nossa reputação. Os medos, as preocupações, as obsessões e o comportamento compulsivo começam a dissipar-se à medida que vamos aprendendo a rir de nossos egos. Para alguns, o maior alívio de todos é a experiência de libertação do sentimento de culpa. Deus nunca usará os nossos erros para atacar-nos. Nós estamos perdoados. Nós somos livres.
A descoberta de verdade acerca de nós mesmos dá início ao processo de libertação pessoal. Descobrir a verdade acerca do mundo de hoje, um reconhecimento aberto e sincero daquilo que está acontecendo no mundo dos seres humanos e no universo em geral, pode ser uma experiência libertadora. A verdade nos libertará.
A experiência de comunhão total com as pessoas e com tudo o que existe no universo que temos explorado nesta parte do livro liberta-nos da tirania dos nossos egos isolados. Podemos voltar a respirar. Podemos confiar em Deus e no universo, que fala de um Deus de amor. Podemos descontrair. Tudo resultará em bem e tudo se resolverá, como Julian de Norwich nos diz, de forma tão animadora. Nós somo livres.
A base da liberdade radical é a confiança. Nós nos tornamos livres à medida que vamos aprendendo a apreciar o amor de Deus por nós, que nos leva a render-nos e a colocar toda a nossa confiança em Deus. “Aqueles que confiam no Senhor renovam suas forças. Têm asas com águias” (Is 40:31). A confiança em Deus permite-nos ter uma abertura de espírito destemida, e ser livres para explorar novas vias de pensamento, não ortodoxas. Teremos até a liberdade de, por vezes, dizer com toda a honestidade: “Não sei”. Mais importante ainda será podermos dizer: ”Isso pouco importa”.
A liberdade interior que aprendemos de Jesus permite-nos amar sem reservas, aceitando-nos tal como somos e aceitando todos os outros seres humanos – incluindo os nossos inimigos – tal como eles são. O processo gradual de desprendimento remove os obstáculos que nos impedem de amar e em breve descobrimos que temos a liberdade suficiente para amar todo o universo, à semelhança de São Francisco.
Finalmente, a liberdade a que nos referimos permite-nos fazer tudo o que precisamos fazer em cada momento. Somo livres para falar sem medo, para exprimir as nossas ideias, para rir e chorar sem inibições, e para termos tanta humildade e capacidade de brincar como uma criança. Também nos liberta para desistir-mos de nossa vida em favor dos outros… se isso for necessário.
Albert Nolan nasceu em Cape Town (África do Sul) em 1934. Teólogo católico renomado desempenhou um papel significativo na luta contra o apartheid. Em 2003, foi agraciado com a Ordem de Luthuli, concedida pelo governo sul-africano por sua luta em prol de democracia e dos direitos humanos. O texto desta página faz parte do seu livro Jesus hoje: uma espiritualidade de liberdade radical.
Nota: O texto RADICALMENTE LIVRE não representa necessariamente a opinião deste blog nem de nenhuma das igrejas do Movimento da Ciência Cristã. Foi publicado para refletirmos sobre a importância do estudo da Bíblia em seu contexto histórico, nas dimensões política, social, cultural e econômica. Conforme recentes descobertas sobre fatos nela registrados e opinião de estudiosos do texto bíblico, como objetivo de alcançarmos o significado espiritual das Escrituras.
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PARA REFLETIR:
Cristo - Cristo é a ideia verdadeira que proclama o bem, a mensagem divina de Deus aos homens, a qual fala à consciência humana. CS 332:9-11
Deus construiu uma plataforma mais elevada de direitos humanos, e a baseou sobre reivindicações mais divinas. Essas reivindicações não se fazem através de códigos ou de credos, mas pela demonstração de “paz na terra entre os homens” e de boa vontade para com eles. CS 226:20
Ao discernir os direitos do homem não podemos deixar de prever o fim de toda opressão. A escravidão não é a condição legítima do homem. Deus fez livre o homem. CS 227:14-17
Cidadão do mundo, aceitai a “liberdade da glória dos filhos de Deus”, e sede livres! Esse é vosso direito divino. CS 227: 23-25
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