sábado, 18 de outubro de 2014

FETICHISMO DO DINHEIRO E A GRAÇA DE DEUS: A NOVIDADE NA ALEGRIA DO EVANGELHO

__________________________________

 

Para refletir:

E o que é o fetichismo? O conceito de "fetiche”, que Marx usa para analisar a mercadoria (O Capital,vol I, Livro I, cap. 1), designa a inversão da relação entre o sujeito e objeto. O ser humano é o sujeito do trabalho e o produto ou a mercadoria é o objeto resultado da ação do sujeito. Porém, no sistema de mercado capitalista ocorre uma inversão profunda: as pessoas não se relacionam porque são pessoas-sujeitos, mas sim porque são portadoras de mercadorias que podem ser trocadas por outras mercadorias. Por ex, se você não tem dinheiro (um tipo especial de mercadoria), não pode ir a Shopping fazer compras (isto é, fazer o seu dinheiro estabelecer relação de troca com outra mercadoria), nem "dar um role”. Como (quase) tudo é comprado e vendido no mercado, você só estabelece relações com outras pessoas na medida em que é portadora do dinheiro/mercadoria. Jung Mo Sung

_______________________

 

 

Fetichismo do dinheiro e a Graça de Deus:

a novidade no Alegria do Evangelho

 

Jung Mo Sung

 

Neste quinto artigo da série sobre a novidade do documento Alegria do Evangelho, quero continuar a reflexão do artigo anterior sobre a tarefa das igrejas cristãs de anunciar o Deus revelado em Jesus, o Deus que estava na cruz com  "o”  justo; aquele que foi assassinado em nome de deus do Templo e do Império Romano.

Segundo o papa, a adoração do ídolo-dinheiro leva as pessoas e a sociedade a se tornarem indiferentes, insensíveis, em relação aos sofrimentos dos pobres e à grave desigualdade social. (Para se ter uma ideia da dimensão da desigualdade social no mundo: segundo o Fórum Econômico Mundial de Davos, 1% mais rico detém 46% da riqueza mundial; e 85 pessoas, a riqueza equivalente a metade da população mundial. Você não leu errado, 85 pessoas detém equivalente a quase a metade.)

É preciso entender que as pessoas não se tornaram insensíveis porque são más. Pelo contrário, podem ser pessoas de "bem”, cumpridoras das regras morais e religiosas. Essa insensibilidade social não nasce de algum desvio individual no campo da moral ou religioso, mas é fruto da cultura em que estão imersas essas pessoas.

 

497px-Augustus_Edwin_Mulready_A_Little_Violet_Seller_1877  A pequena vendedora de violetas de Augustus Edwin  Mulready, 1877

 

E por que diante dessa situação, que faz conviver pessoas miseráveis ao lado de poucas ostentando carros de milhões de reais, domina indiferença social? É claro que se perguntados, todos vão dizer que são contra essa situação e favor de mudanças. Mas, se perguntado se estão dispostos a reduzir o seu nível de ganho e consumo (por ex, com mais impostos para programas sociais), vão levantar várias "desculpas” (por ex, a culpa é da corrupção, mais imposto diminui o crescimento econômico...) para dificultar medidas que realmente possam modificar a situação.

No fundo, há uma indiferença em relação a esse grave problema. Diante dessa situação, não bastam mais "pregações morais ou religiosas” criticando a desigualdade social (sobre a crise ambiental, nos próximos artigos). É preciso entender o porquê dessa insensibilidade. E o documento Alegria do Evangelho oferece uma pista.

Ele diz: "na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma eco­nomia sem rosto e sem um objetivo verdadeira­mente humano.” (n.55) O papa faz um paralelo entre "o bezerro de ouro” e o fetichismo do dinheiro hoje. Nesse sentido, o tema do dinheiro/economia se tornou uma questão teológica central, assim como é a "luta” entre Bezerro de Ouro –que foi chamado de Javé pelos seus adoradores – e o Deus - Javé.

E o que é o fetichismo? O conceito de "fetiche”, que Marx usa para analisar a mercadoria (O Capital,vol I, Livro I, cap. 1), designa a inversão da relação entre o sujeito e objeto. O ser humano é o sujeito do trabalho e o produto ou a mercadoria é o objeto resultado da ação do sujeito. Porém, no sistema de mercado capitalista ocorre uma inversão profunda: as pessoas não se relacionam porque são pessoas -sujeitos, mas sim porque são portadoras de mercadorias que podem ser trocadas por outras mercadorias. Por ex, se você não tem dinheiro (um tipo especial de mercadoria), não pode ir a Shopping fazer compras (isto é, fazer o seu dinheiro estabelecer relação de troca com outra mercadoria), nem "dar um role”. Como (quase) tudo é comprado e vendido no mercado, você só estabelece relações com outras pessoas na medida em que é portadora do dinheiro/mercadoria.

Na experiência do cotidiano isso é expresso com a ideia de que você vale o quanto tem. Se você não tem nada, é pobre, não vale nada e, portanto, não é "ninguém”. Nesse fetichismo do dinheiro, a fonte da dignidade humana está no dinheiro. Por isso as pessoas querem mais dinheiro do que precisam, desejam sem limite, porque querem "ser” mais através de "o” único caminho que conhecem: ter mais dinheiro.

Os problemas sociais dos pobres são problemas de pessoas que são "ninguém”, por isso não são importantes e a sociedade se torna indiferente a esses problemas. Só são tratados quando essa desigualdade cria problemas para as "pessoas de bem”, as que têm dinheiro.

Diante desse tipo de mundo, é preciso oferecer um caminho alternativo. "O Caminho” que Jesus propõe é o reconhecimento de que todos os seres humanos são dignos, não importando se é rico ou pobre, homem ou mulher, branco ou negro ou indígena, religioso ou não, ... Isso porque Deus a ama a todos gratuitamente e por causa dessa graça os problemas de pessoas consideradas "ninguém” são problemas importantes para Deus e para todos que descobriram a Verdade sobre a condição humana. Esse Caminho e essa Verdade nos levam à Vida.

A insensibilidade social frente aos problemas sociais precisar ser desmascarada e superada pela "teologia da graça”.

 

Autor: Jung Mo Sung é graduado em Filosofia (1984) e em Teologia (1984) doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (1993) e pós-doutorado em Educação pela Univ. Metodista de Piracicaba (2000). Atualmente é professor titular da Universidade Metodista de São Paulo, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Autor, com H. Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus.

Fonte: Aditar.

Nota: Fetichismo do dinheiro e a Graça de Deus: a novidade no Alegria do Evangelho não representa o pensamento do  Movimento da Ciência Cristã (A Igreja Mãe em Boston ou qualquer de suas filiais, sociedades ou grupos informais de estudos, existentes em diferentes países do mundo), foi publicado para refletirmos sobre a importância do estudo da Bíblia no contexto histórico, nas dimensões política, social, cultural e econômica em que seus relatos foram escritos. Conforme recentes descobertas sobre fatos nela registrados e a opinião de estudiosos do texto bíblico. Com o objetivo de alcançarmos o significado espiritual das Escrituras e compreendermos o verdadeiro papel do cristão nos dias de hoje.

 

Sobre este tema acesse neste blog: Tarefas do Cristianismo de Libertação (II): modernidade e a idolatria

_______________________________________

domingo, 12 de outubro de 2014

Tarefas do Cristianismo de Libertação (II): modernidade e a idolatria

______________________________________________

 

 

Para refletir:

 

"Eu penso que a separação radical entre assuntos teológicos e sociais, entre a dimensão religiosa e a racional da sociedade, tem a ver com esta tentativa de esconder o lado irracional, sacrificial, idolátrico da modernidade do seu lado aparentemente racional e ilustrado.

O mundo moderno não é anti-religioso. Ele é contra religiões que se opõe à racionalidade da acumulação do capital e utiliza-se das religiões ou grupos religiosos que servem ao seu objetivo. Pior ainda, cria sua própria religião, que é expressão social do seu espírito idolátrico.

Sem uma compreensão crítica da modernidade e, portanto, também dos equívocos ou insuficiência das críticas pós-modernas e da própria noção de pós-modernidade, não podemos repensar a relação entre teologias críticas e teorias sociais críticas e fazer uma crítica teórica séria da idolatria do mercado." Jung Mo Sung

O texto de Jung Mo Sung é um bom referencial para iniciarmos uma reflexão sobre  a associação de instituições religiosas no Brasil com a idolatria do mercado  e a  política partidária.

______________________________________________________

 

 

Tarefas do Cristianismo de Libertação (II):
modernidade e a idolatria

 

Jung Mo Sung

 

 No artigo anterior,  eu apresentei a ideia de que o atual Império global domina por sedução, fascinação, ao mesmo tempo em que impõe medo e a idéia de que não há alternativa ao sistema de mercado capitalista. Características de um sistema sagrado, que por ser sagrado exige sacrifício de vidas humanas. (Sagrado exige sacrifício, enquanto Deus da Bíblia quer misericórdia em lugar de sacrifico. Os profetas chamaram o deus/sagrado que exige sacrifício de ídolo.) Diante deste tipo de capitalismo, que Marx chamou de "religião da vida cotidiana" fundada na fetichização da mercadoria e do capital, a crítica da religião se tornou novamente a condição preliminar de toda crítica.

Sem dúvida, uma das críticas mais potentes contra esta "idolatria do mercado" foi feita por alguns teólogos da libertação, como Hugo Assmann, Franz Hinkelammert, Jon Sobrino e Júlio de Santa Ana. Infelizmente a maioria destes livros está fora do catálogo das editoras e é pouco discutida ou estudada pelas novas gerações.

                                                                             DESCUIDADO, Augustus Edwin Mulready  "Descuidado" de Augustus Edwin Mulready, 1871.

 

Muitas das discussões no campo da teologia não consideram o atual sistema econômico-social como um tema teológico (no máximo como um tema da ética social ou da doutrina social), e, por outro lado, muitos dos cientistas sociais críticos não percebem o caráter sacral e religioso do atual sistema global. Entre cientistas sociais mais conhecidos no Brasil, Michael Löwy é um dos poucos que aprofundaram essa questão.

Esta separação ou distinção entre a teologia/ciências da religião e as ciências sociais como dois campos de conhecimento autônomos e independentes dificultam a compreensão mais acurada e crítica do caráter religioso do capitalismo, que Marx, M. Weber e W. Benjamin, entre outros mestres do passado, já haviam apontado. Por isso, eu penso que um dos passos fundamentais para fazermos uma crítica teórica da idolatria do mercado é repensar a própria concepção da razão e do fazer ciência gestada no mundo moderno.

Para entender melhor este desafio, é preciso primeiro criticar ou repensar a própria concepção do que é a modernidade. Normalmente a modernidade é compreendida e também criticada pela pretensão de construir um mundo baseado na razão e pela proposta de emancipação da humanidade ou de revolução libertária. A crítica pós-moderna se concentra na crítica da razão moderna e na pretensão de construir um "novo" mundo a partir da noção de revolução.

O problema é que nós assumimos a noção de modernidade que o próprio mundo Ocidental e moderno, através dos seus intelectuais, pintou sobe si, isto é, assumimos a ideologia do mundo moderno como a "verdade" sobre a modernidade. Se olharmos bem, veremos que a modernidade foi construída sobre a exploração colonial do continente que eles chamaram de América. Para acumular ouro e prata, escravizaram primeiro os nativos do Continente e depois os negros da África. Não satisfeitos com milhões de mortes causadas em nome da acumulação "racional" da riqueza/capital, colonizaram também os países da África e da Ásia.

Em resumo, no outro lado da razão moderna está o irracionalismo de genocídios em nome da acumulação do capital-ouro; o lado luminoso da ilustração esconde o lado obscuro da modernidade, o seu lado irracional, sacrificial e opressivo. Muito antes do holocausto -que no fundo é resultado extremado da razão moderna-, Europa moderna já tinha causado genocídios na África, América e Ásia. Genocídios esses que pouco escandalizaram a Europa por serem de povos considerados inferiores pela razão moderna.

A base material da ilustração-razão moderna foi construída com a conquista, escravidão e exploração. Como Dussel já mostrou, a afirmação que iniciaria a modernidade, "Penso, logo sou!", foi procedida e tornada possível por "Conquisto, logo sou!"

Eu penso que a separação radical entre assuntos teológicos e sociais, entre a dimensão religiosa e a racional da sociedade, tem a ver com esta tentativa de esconder o lado irracional, sacrificial, idolátrico da modernidade do seu lado aparentemente racional e ilustrado.

O mundo moderno não é anti-religioso. Ele é contra religiões que se opõe à racionalidade da acumulação do capital e utiliza-se das religiões ou grupos religiosos que servem ao seu objetivo. Pior ainda, cria sua própria religião, que é expressão social do seu espírito idolátrico.

Sem uma compreensão crítica da modernidade e, portanto, também dos equívocos ou insuficiência das críticas pós-modernas e da própria noção de pós-modernidade, não podemos repensar a relação entre teologias críticas e teorias sociais críticas e fazer uma crítica teórica séria da idolatria do mercado.

 

Jung Mo Sung   é  co-autor,  junto com Hugo Assmann, do "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres", Paulus].

Fonte: ADITAL

Nota: Tarefas do Cristianismo de Libertação (II): modernidade e a idolatria não representa o pensamento do  Movimento da Ciência Cristã (A Igreja Mãe em Boston ou qualquer de suas filiais, sociedades ou grupos informais de estudos, existentes em diferentes países do mundo), foi publicado para refletirmos sobre a importância do estudo da Bíblia no contexto histórico, nas dimensões política, social, cultural e econômica em que seus relatos foram escritos. Conforme recentes descobertas sobre fatos nela registrados e a opinião de estudiosos do texto bíblico. Com o objetivo de alcançarmos o significado espiritual das Escrituras e compreendermos o verdadeiro papel do cristão nos dias de hoje.

___________________________________

 

Sobre este tema acesse:  JESUS VAI AO McDONALD’S     e     A CURA CRISTÃ E TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO.

 

_____________________________________________________________