sexta-feira, 3 de abril de 2015

QUEM NÃO CRE JÁ ESTÁ CONDENADO. CONDENADO A QUÊ?

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Comentário sobre relato bíblico:
 
 
Quem não crer já está condenado.
Condenado a quê?

João 3.14-21:

 

 

 O texto do evangelho [de João  3:14-21] traz uma bonita e ao mesmo tempo controversa frase: Deus amou o mundo de tal maneira que entregou seu Filho único para que todo aquele que crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3,16). Tamanho foi o amor de Deus que nos deu seu único filho! Mas por que o mesmo Deus que proibiu o sacrifício de Isaac (Gn 22) entregaria seu próprio filho? Queria o pai que seu Filho fosse morto por nós? Se não queria, por que permitiu isso? Era necessário que o Filho do Homem fosse levantado no madeiro (Jo 3,14)?

Sabemos que o quarto evangelho teve sua redação já no final do primeiro século, momento em que muita gente vinha entregando a vida pela causa do Evangelho, no serviço aos pobres, na partilha dos bens e até mesmo no enfrentamento  com o Império Romano, por meio do martírio. Por outro lado, não era pequeno o grupo que contestava essa postura: para seguir Jesus bastava buscar a "iluminação", abrir-se ao conhecimento, à gnose. Para quem assim pensava, o logos era luz a ser atingida pelo esforço do intelecto, não pela prática concreta. Corrigindo esta distorção, o quarto evangelho afirma já em seu prólogo: o verbo, a luz verdadeira, fez-se carne, gente de fato, viveu acampado no nosso meio! (Jo 1, 9.14).

Jesus e Nicodemos  

 

Procurando Jesus às escondidas

De acordo com as narrativas joaninas, havia um grupo de pessoas simpáticas ao projeto de Jesus, mas com dificuldades de assumir publicamente essa postura. Tais pessoas sempre procuravam Jesus às escondidas (Jo 3,2) e por isso a tradição os apelidou de cripto-cristãos.

Nicodemos fazia parte desse grupo. Foi modelo para muitos que, à época da redação do evangelho, não podiam ou não queriam assumir publicamente sua fé em Jesus. Pessoa influente entre os judeus, Nicodemos era fariseu e membro do Sinédrio (Jo 3,1). Mais tarde, até tentou evitar a condenação de Jesus (7,50). Na versão do quarto evangelho, também foi ele quem trouxe os perfumes para a preparação do corpo do Mestre (19,39). Mas teve dificuldades de assumir publicamente seu compromisso com o Reino.

Jesus já havia dito a Nicodemos que era preciso "nascer do alto" (Jo 3,3). Num jogo de palavras, era como "nascer de novo". Nicodemos não entendeu que Jesus esperava um renascer da água e do Espírito (3,5).

A conversa entre os dois segue em forma de poema, no qual se misturam as palavras de Jesus com as de quem escreveu o evangelho. E se Nicodemos tem dificuldade de procurar Jesus durante o dia, de ser testemunho aberto da luz (1,7), Jesus será elevado, para que seja visto por todo o mundo, para que o mundo seja salvo por ele.

 

Deus amou tanto o mundo...

O termo mundo (kósmos) é utilizado pelo quarto evangelho para designar tudo o que se opõe ao Reino, ao projeto de Jesus. Por isso, diante de Pilatos, Jesus afirma categoricamente: "O meu reino não é deste mundo" (Jo 19,26). Uma tradução possível e até melhor para esta frase seria: "Meu reino não é conforme - de acordo com - este mundo!" O mundo de Pilatos era o mundo do império romano: ocupação militar, corrupção, exploração dos pobres, violência contra as mulheres e as crianças.  Jesus denuncia publicamente essa farsa, por isso é levantado no madeiro (Jo 3,14). O império o condena. É elevado ao trono, mas sua glória é a cruz.

Entretanto, mesmo denunciando esse mundo e por ele condenado, não quer a sua condenação. Deus enviou Jesus não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele (Jo 3,17). E da mesma forma que foi enviado, Jesus faz questão de afirmar que ao mundo também enviou seus discípulos (Jo 17,18).

A condenação e o assassinato de Jesus são atitudes e escolha do "mundo" e não o desejo de Deus. Temos que assumir que é nossa a culpa pela morte de tanta gente inocente. Não nos serve a atitude de Pilatos que, mesmo reconhecendo a inocência de Jesus, é conivente e autoriza a sua morte (Jo 19,6.16). Entretanto, a comunidade joanina, ao refazer a releitura de Gn 22 (a preservação da vida, o não-sacrifício de Isaac), quer ressaltar o quanto Deus ama esse mundo e como deseja a conversão e a mudança de comportamento.

 

Quem não crer, já está condenado!

O Evangelho de João parece cair em contradição: no conjunto, insiste na salvação do mundo; aqui explicita a condenação: a luz veio ao mundo, mas muitos dos seres humanos preferiram as trevas (Jo 3,19); o mundo não o reconheceu (Jo 1,10). Quem não crer, de antemão já está condenado (Jo 3,18). Uma tradução melhor seria "julgado" (em grego, kríno). O acréscimo de Marcos modificou o texto e o verbo: além de crer, é preciso ser batizado (Mc 16,16). Quem não crer será condenado (Marcos usa outro verbo - katakríno, mais ligado a "dar a sentença")

Há quem prefira interpretar que a fé em Jesus é condição para a salvação. Estariam condenadas as pessoas que não acreditam e não aceitam a luz. É até possível que seja essa a intenção dos redatores, tamanha era perseguição do mundo sobre as comunidades à época da redação do texto. Entretanto, duas perguntas são muito importantes: Quem condena? E condena a quê?

Com certeza, quem nos condena não é Deus. Tamanho é o seu amor por nós que nos enviou seu próprio Filho! Nós mesmos/as fazemos a escolha, a opção é nossa. Estamos "no mundo", mas podemos deixar de viver "conforme o mundo".

Mas a que nós podemos nos condenar? Condena-se a si mesmo quem decide pelo projeto do "mundo". Neste sentido, "crer" é aderir, aceitar, entregar-se, integrar-se no outro projeto, o do Reino.

Não é bom que corramos o risco de nos condenar à tristeza e à frustração de quem não consegue crer que Deus nos ama e que "outro mundo é possível". Não podemos nos condenar ao individualismo e ao isolamento apregoados pela sociedade moderna. O caminho é a solidariedade, a partilha e o compromisso com quem sofre injustiças. Não fazer essa escolha é ficar na indecisão de Nicodemos. E então nos sobraria a "opção" de nos consolar comprando flores e perfume para o túmulo, como fez esse líder dos judeus.

Autor: Edmilson Schinelo, colaborador do CEBI.

 

Nota: Este blog tem publicado, além de artigos de Ciência Cristã, escritos de pessoas situadas em diferentes religiões, que ao desafiarem sua inteligência, sem medo de ousar, procuram buscar a verdadeira essência dos ensinamentos dos textos da Bíblia. Apontando com suas produções, de algum modo, para alguns aspectos ou características da teologia da Ciência Cristã.

Desta maneira, mantendo diálogo inter-religioso, participamos da elevação do pensamento do leitor a consciência de princípios universais, básicos para o cristianismo, importantes para o progresso da humanidade.

 

"A familiaridade com os textos originais e a disposição de abandonar as crenças humanas (estabelecidas por hierarquias e instigadas às vezes pelas piores paixões dos homens), abrem o caminho para que a Ciência Cristã seja compreendida, e fazem da Bíblia o mapa náutico da vida, no qual estão assinaladas as boias e as correntezas curativas da Verdade."  Mary Baker Eddy

 

ATENÇÃO:   Quem não crer já está condenado. Condenado a quê? João 3.14-21, não representa necessariamente o pensamento do Movimento da Ciência Cristã (A Igreja Mãe em Boston ou qualquer de suas filiais, sociedades ou grupos informais de estudos, existentes em diferentes países do mundo), foi publicado para refletirmos sobre a importância do estudo da Bíblia no contexto histórico, nas dimensões política, social, cultural e econômica em que seus relatos foram escritos. Conforme recentes descobertas sobre fatos nela registrados e a opinião de estudiosos do texto bíblico, como objetivo de alcançarmos o significado espiritual das Escrituras.

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